Questiono-me sobre se existe algum assunto que faça os terceirenses se revoltarem ou indignarem. A sério! Gostava de saber o que teria de acontecer para que os habitantes desta ilha partissem a loiça toda e fossem para a rua gritar palavras de ordem contra o governo, contra a câmara, contra o que quer que fosse. Não sei. E não me venham dizer que o povo está adormecido e desligado da realidade. Não é verdade. Todos os dias se ouvem queixas e reclamações. É raro o momento em que, falando com um dos de cá, ele não aponte defeitos a isto ou àquilo, não mande palpite sobre tudo o que se mexa e critique o Manuel, o Joaquim ou a Maria por ter sido escolhido para o cargo A, o lugar B ou o tacho C. Estão informados. Sabem exatamente quem foi para onde e quem o nomeou para quê e o pôs lá. Tal pena eu não ser amigo dele.
Queixam-se do preço da água, da luz e da falta de trabalho. Queixam-se da escola e da qualidade dos professores e desculpam os alunos. Queixam-se dos médicos e do mau serviço do hospital e do tempo que esperam por uma consulta. Queixam-se da falta de estacionamento e do excessivo zelo dos fiscais dos parquímetros. Queixam-se da polícia e temem os ladrões. Queixam-se dos engenheiros, dos empreiteiros e dos arquitetos. Queixam-se do excesso de toiradas à corda e da fatalidade de não haver nenhuma na sua rua. Queixam-se da SATA, da Ryanair e dos atrasos dos aviões. Queixam-se da centralidade de São Miguel e da inexistência da Zara na Terceira. Queixam-se da chuva porque é inverno e do sol porque é verão. Queixam-se da areia que está suja e da água do mar que não aqueceu. Queixam-se dos americanos que fazem muito barulho nas esplanadas e do silêncio que deixaram. Queixam-se da água contaminada e dos que dizem que não está. Queixam-se da sua própria existência, mas não procuram mudar de vida.
O homo terceirensis é uma espécie única. Vai para onde o levam. Reclama em surdina, mas não se queixa em público. Gosta de parecer que se diverte muito e que a sua vida é uma festa permanente. Excita-se ao ouvir os outros dizerem que é assim. Gostava que assim fosse. Mas será que é mesmo? Não será esta imagem de folião e bon vivant a capa por detrás da qual se esconde um ser que perdeu a capacidade de lutar, de se indignar e de reivindicar direitos e assumir deveres? Tornámo-nos dependentes. Aceitámos de bom grado que alguém pensasse por nós e orientasse as nossas vidas. É mais simples. Tornámo-nos um ser facilmente manipulável e passámos a acreditar naquilo que os outros querem que acreditemos.
Numa terra que apesar de ter vencido o absolutismo há pouco menos de dois séculos, entusiasmámo-nos com a possibilidade de pertencer à nova aristocracia criada como corte de sustentação do poder. Uma aristocracia com privilégios alargados e que terá sido a única que ainda não percebeu que houve uma crise económica, financeira e social profunda e que, independentemente do discurso oficial, ainda não passou ou que ainda estamos muito longe de sermos como estávamos antes. Dai-lhes bolos, diria Maria Antonieta. Dai-lhes brioches, teria dito ela numa outra versão. Dai-lhes qualquer migalha, diria ela se vivesse em 2018.
Perante isto tudo, calamo-nos, aceitamos e ficamos satisfeitos com o sucesso dos outros e a condenação dos maus do BES, da Operação Marquês ou de outra coisa qualquer, mas lá fora. Está tudo bem e o Espírito Santo vem aí. Podia ser pior. Parece que já começo a ouvir foguetes.
Artigo publicado na edição de hoje do Diário Insular.
O povo Terceirense é capaz de agarrar um toiro pelos cornos… Mas sente-se incapaz de defender os seus direitos!…
Sempre fomos um povo acomodado com a sua sorte! Neste momento dividido por várias classes:
Os que já tem o tacho…
Os que tem medo de perder o tacho!
Os que tem medo dos que tem o tacho…
Os que gostavam de ter um tacho!
Os que se marimbam para o tacho… Porque são capazes de se governar por si próprios!…
Os últimos são raros, opara não dizer quase em extinção… Porque estão fartos de caminhar sozinhos!…
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