
Não vou passar o Natal sozinho. Sou um daqueles privilegiados a quem nunca tal sucedeu. Sempre passei a noite da consoada à mesa, com a família, a comer bacalhau cozido com batatas, grão-de-bico, ovo e couve portuguesa a que acrescento, ainda, cebola, alho e salsa picados bem miudinho e espalhados sobre esta tradicional comezaina ainda a fumegar. Não posso ainda dispensar a pimenta branca e um rio de azeite, ou não fosse o meu pai transmontano. Para sobremesa, o ideal seria apresentarem-me aletria, mas já vai rareando. Em alternativa, podiam oferecer-me rabanadas que também já escasseiam.
Apesar de nunca ter estado sozinho ou rodeado só por estranhos, nem sempre são os mesmos que se sentam à volta da mesa. Em determinados momentos, por uma razão ou por outra, alguns não puderam estar presentes. As comissões no ultramar, a emigração ou a necessidade de ir passar o Natal com o outro lado da família, fizeram com que algumas ceias fossem mais tristes. Para compensar, a família foi crescendo. Os tios casaram, vieram os primos e mais tarde os cunhados e os sobrinhos. A mesa foi ficando pequena e a confusão aumentou. A tradição, essa, manteve-se e manter-se-á enquanto eu tiver o discernimento para me recordar quem sou e de onde venho.
De há seis anos para cá, tudo mudou e a família duplicou. Com ela, vieram outras formas de celebrar a festa, outras tradições e outros rituais. Mas o Natal é o mesmo e a magia mantém-se. Com os filhos, os gestos mais simples, as pequenas coisas e o recuperar das tradições da nossa própria infância fazem-nos viajar no tempo e voltar a ser aquelas crianças que esperavam pelo Menino Jesus depois de, na noite anterior, termos deixado o nosso sapatinho sobre o fogão, debaixo da chaminé.
É usual dizer-se que o Natal é para as crianças. Não, não é. O Natal é para nós todos. Para o pai, para a mãe, para os filhos, netos e avós. Mas o Natal também é para aqueles que já não têm ninguém. Aqueles que já perderam os pais, os que não têm filhos e os que vivem sós. Felizmente, ainda tenho os meus pais comigo. Espero que por muitos anos. Apesar da idade, ainda me fazem sentir a criança que um dia fui e mostram-me o pai que devo ser.
Feliz Natal e aproveitem, enquanto puderem, o que de bom esta quadra tem para dar.
Publicado na edição de hoje do Diário Insular.