
Sempre entendi que o projeto Terceira Tech Island (TTI) seria uma excelente oportunidade para a Praia da Vitória. Cria emprego (particularmente jovem), garante diferenciação económica do concelho no contexto regional, capta para a ilha empresas do sector digital e possibilita a ocupação de espaços devolutos do centro da cidade. É certo que tudo isto é fortemente subsidiado e comparticipado pelos dinheiros públicos, mas o facto de criar emprego é por si só um bom justificativo.
Contudo, a bondade da medida pode trazer consigo – e já se viu que traz – efeitos perversos. Para além dos espaços comerciais que fecham a fim de lá se instalarem as empresas e das montras da rua de Jesus ficarem forradas a plástico colorido, verifica-se um aumento acentuado das rendas, já que é muito mais apetecível receber uma renda alta, ainda por cima certinha e paga pelo governo através do município. Obviamente que não se condenam os senhorios. Tolos seriam se o não fizessem. Pena tenho eu de não ter meia dúzia de casas na rua de Jesus para fazer o mesmo.
Aliás, este é o mesmo problema que existe com o arrendamento aos americanos que regressou em força e, novamente, inflacionou as rendas para habitação em lugares como a Praia ou o Porto Martins. Ou ainda, o chamado “investimento externo” que transformaram o mercado imobiliário local em mercado de luxo onde os preços de terrenos e edifícios, principalmente antigos que acabam demolidos, se tornam inacessíveis aos potenciais investidores locais. Escusado será dizer que, maioritariamente, estes são investimentos sem retorno, sem criação de emprego e diretamente concorrenciais com os já existentes em matéria de captação de inquilinos munidos de dólares. O mercado é livre, bem sei e concordo, mas este é patrocinado e subsidiado, sendo que é o governo e a autarquia a atraírem quem vem competir com os locais, sem que haja a preocupação do investimento ser em indústria ou outra qualquer atividade produtiva e criadora de emprego.
Aí, parece que o projeto falhou. O centro da cidade ficou transformado num lugar sem qualquer atratividade para os visitantes, sejam eles de cá, de lá ou de outro lado qualquer.
Acusam-me de ter uma fixação pela rua de Jesus, acrescentando que, para mim, não existe Praia da Vitória para além da sua artéria principal. Bem sei que a cidade não começa no largo da Luz e não termina na Praça Francisco Ornelas da Câmara. São muitas as empresas que, de maior ou menor dimensão, estão espalhadas pelas ruas secundárias e outras redondezas. Ainda bem que assim é.
A verdade é que, correndo o risco de me repetir, insisto nesta tecla: é preciso definir o modelo de desenvolvimento e dinamização do centro histórico da Praia. Não é só uma questão de ocupar espaços. Não é só uma questão de atirar dinheiro para cima dos problemas. Não é só uma questão de criar um plano de apoio financeiro por muito bom que possa ser.
É competência da autarquia definir como quer que a sua cidade se desenvolva, em que moldes, com que tipo de ocupação. Poderia estabelecer regras. Definir limites. Um exemplo seria não permitir colocar “tapumes” nas montras. Se existem regras específicas e taxas para reclames luminosos, publicidade ou mesmo para as cores dos edifícios, porque não existem regras para este tipo de intervenção que, a meu ver, é de fraco gosto e contrário à nossa cultura e ordenamento estético?
O Terceira Tech Island é uma oportunidade que a Praia não pode perder, mas não a todo o custo. Existem alternativas e é possível preservar a nossa identidade. Que centro histórico queremos? Se é que queremos um centro histórico?
Nota: a imagem ilustra uma proposta por mim apresentada no âmbito da conferência “Pensar a Cidade do Futuro”, promovida pela Câmara Municipal da Praia da Vitória em maio de 2018, onde se discutia “Reabilitação dos Espaços Públicos”.