
Tudo parece ter voltado à normalidade, mas nada mais é que uma ilusão ou um engano. Regressámos às rotinas a que tentamos chamar-lhes de habituais, mas não o são. Vamos ao café, levamos os filhos ao colégio, vamos trabalhar, vamos à praia, aos restaurantes, às compras, à rua. Procuramos fazer tudo quanto fazíamos e dizemos que nada mudou. A verdade, a triste realidade é que nada é como dantes.
Vamo-nos habituando a usar uma máscara que nos é desconfortável, fria apesar do bafo que sentimos lá dentro, e nos impede de sorrir como estávamos habituados, que nos dificulta a reconhecer os amigos e os conhecidos no supermercado e nos transforma em seres ainda mais isolados, robots numa terra em que nos conhecíamos a todos e que bastava um pequeno sorriso, por mais ténue que fosse, para que sentíssemos aquele aconchego maternal que é viver num lugar pequeno onde um vizinho não é um estranho, onde um encontro num patamar de elevador não é uma violação de um espaço íntimo.
Nada é normal quando passas horas infindas a respirar o teu próprio ar, a adivinhar a expressão no rosto dos outros e a obrigar-te a comunicar e a reagir só com os olhos.
Nada é normal quando estás sentado à mesa de um restaurante e desconfias das pessoas que estão na mesa ao lado, mesmo que a uma distância tida como segura, só porque percebes, pela forma como se expressam e pronunciam as palavras, que não são locais e terão atravessado todo um oceano só para cá chegarem, quem sabe só para poderem abraçar os seus por uma última vez.
Nada é normal quando vivemos na incerteza de um futuro que foi o de ontem e o de hoje acaba daqui por uns instantes.
Nada é normal quando duvidamos dos nossos gestos e nos sentimos culpados por deixar alguém aproximar-se de nós, a sentar-se à mesma mesa, a partilhar um momento de simples afeto mesmo que sem contacto físico.
Nada é normal quando te obrigas a pensar que não há problema em estar vivo, em viver, em trabalhar, em estar junto dos teus, em querer olhar o futuro com os olhos ingénuos da criança que foste e do adulto que julgas ser.
Sentas-te em frente à televisão e vês o mundo correr a uma velocidade vertiginosa, em ciclos, sempre às voltas, às apalpadelas, em busca de uma normalidade frágil. Os números repetem-se. Não fosse a temperatura que se faz sentir na rua, julgarias ter sido transportado para o início de março quando tudo parecia ser uma realidade distante, mas que rapidamente se tornou próxima.
Ouvem-se argumentos, justificações. Algumas, quando ditas pela boca de outros, são tidas por irresponsáveis, demagógicas e pouco transparentes. Dão-se tiros para todo o lado procurando culpados. Nunca, como agora, se percebeu tamanha desorientação e desnorte.
Enquanto isso, por cá, algumas instituições optaram por paralisar, limitando-se, in concreto, ao papel de megafone retransmissor. Outras, no essencial… bem, basta dizer que as eleições são já em outubro.